O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 982), que os Tribunais de Contas possuem competência para julgar as contas de prefeitos que atuam como ordenadores de despesas. A decisão, tomada por unanimidade, reforça a responsabilidade dos gestores municipais na administração dos recursos públicos. O assunto vem gerando debates e interpretações equivocadas. Por isso, esta reportagem esclarece as dúvidas sobre o tema.
No caso específico da ADPF 982/PR, que tramitou no STF, tendo como relator o ministro Flávio Dino, discutiu-se, em linhas gerais, se os Tribunais de Contas podem julgar prefeitos que atuem como ordenadores de despesa e aplicar-lhes sanções fora da esfera eleitoral (como imputação de débito ou multa), sem que haja a necessidade de confirmação posterior pelo Poder Legislativo.
A distinção é relevante porque a Constituição faz uma separação muito clara entre as contas de governo, julgadas politicamente pelas Câmaras Municipais (com base em parecer prévio dos Tribunais de Contas), e as contas de gestão, examinadas tecnicamente pelos próprios Tribunais de Contas.
No caso das contas de governo, o Tribunal de Contas emite apenas um parecer prévio, que pode ser derrubado por 2/3 dos vereadores.
TESE CONSOLIDADA
A ação foi proposta pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) para esclarecer a competência das Cortes de Contas diante de decisões judiciais que anularam sanções aplicadas a prefeitos. Com a decisão, fica consolidado que os Tribunais de Contas podem analisar e aplicar penalidades administrativas e financeiras, sem a necessidade de ratificação pelas Câmaras Municipais, não retirando a competência das Casas Municipais na imputação de inelegibilidade ao gestor.
O STF reafirmou que, quando o prefeito age como ordenador de despesa (assina contratos, autoriza pagamentos etc.), ele presta contas de seus atos de gestão diretamente ao Tribunal de Contas. Nesse caso, a Corte de Contas pode, sim, julgá-lo e aplicar sanções, sem passar por nova votação na Câmara Municipal.
Já as contas anuais de governo, que analisam o conjunto maior da execução orçamentária e das políticas públicas do município ao longo do exercício financeiro, continuam a ser julgadas pela Câmara Municipal, com base no parecer técnico emitido pelo Tribunal de Contas.
NO CAMPO ELEITORAL, COMPETÊNCIA É DA CÂMARA
O STF também reforçou que, no campo eleitoral, a competência para declarar o prefeito inelegível permanece com a Câmara de Vereadores, pois a Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/1990) define que a rejeição das contas de governo, para gerar inelegibilidade, exige decisão final do Legislativo. No entanto, a responsabilização administrativa e financeira (pagamento de débitos, multas etc.) é da alçada do Tribunal de Contas.
A decisão consolida a ideia de equilíbrio entre o julgamento político e o julgamento técnico. Protege-se a autonomia e a autoridade técnica das Cortes de Contas para coibir eventuais desvios na aplicação de recursos públicos e exigir reparação ao erário, enquanto se mantém o papel legítimo do Poder Legislativo para avaliar a dimensão política das contas anuais.
Assim, o julgamento do STF deixou três pontos claros: (1) prefeitos que ordenam despesas devem prestar contas diretamente aos Tribunais de Contas; (2) as cortes podem julgar e aplicar sanções em caso de irregularidades, inclusive exigindo a devolução de valores; (3) as Câmaras Municipais mantêm a análise dos efeitos eleitorais, mas não podem alterar as decisões técnicas dos Tribunais de Contas.
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