Era uma vez uma Jequié onde a infância podia correr solta pela praça Rui Barbosa, com pés descalços e corações leves. Era o tempo de picolés à sombra das árvores, de pulseirinhas compradas dos hippies e de caldos de cana na praça da Bandeira. Um tempo em que o Cine Jequié iluminava sonhos, a biblioteca abria janelas para o mundo e o São João era baião e festa, não grades e medo. Mas a modernidade chegou.
A modernidade levou embora o cine. As árvores, antes refúgio da brisa, deram lugar ao concreto. O Castro Alves ganhou grades, e ainda não sabemos se elas querem afastar ou acolher. Luiz Cotrim, com sua voz de trovador, não declama mais nas FMs. No lugar da poesia, as ondas do rádio agora carregam o peso de notícias que falam de sangue, violência e dor.
Jequié virou palco de uma narrativa amarga, que nem os melhores cronistas poderiam imaginar. Quando não são as águas da barragem a afogar o Natal de nossa gente – como já o fizeram dois anos seguidos –, é a violência que assombra os becos e vielas das nossas periferias. O helicóptero, que deveria trazer esperança, sobrevoa agora os bairros para registrar o desespero. Não é piada. Não é alegria. É o grito de um povo sufocado.
E o mais triste é ver que aqueles que nos governam preferem o conforto de suas palavras vazias e de seus condomínios blindados. Negaram a violência. Disseram que era invenção da imprensa, sensacionalismo. Mas não é do alto das torres de seus privilégios que se vê o que acontece na carne viva das favelas. Não é dali que se sente a ausência de segurança que um dia foi nossa.
Que saudade daquela Jequié que ainda vivia na terra de Waly Salomão, da arte que nos fazia sonhar e da simplicidade que nos fazia sorrir. Hoje, nossa cidade pede socorro. A poesia se transformou em protesto. A modernidade chegou, mas levou embora a paz.
Jequié não precisa de grades que enclausuram. Precisa de políticas públicas que libertem. Não precisa de falácias, mas de ação. Não precisa de helicópteros que registram o desespero, mas de governantes que descem às ruas e ouvem o clamor do povo.
Se um dia fomos cidade de sonhos, hoje somos cidade de indignação. Mas ainda há esperança – não no concreto, mas no coração de quem acredita que Jequié pode renascer. Que a modernidade, desta vez, não leve embora o que resta: a nossa capacidade de lutar.
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